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v2a15| Assim sigo, sendo psicóloga em tempos de crise mundial
Atualizado: 29 de Jul de 2020
Por Itala Daniela. Doutoranda no PPGPSI da Universidade Católica de Pernambuco. Psicóloga Clínica na Lírios Centro de Psicologia. Contato: italadaniela@liriospsicologia.com.br

Uma enxurrada de notícias diárias. A busca constante de informação para compreender se os atendimentos presenciais ainda estavam autorizados. Deparo-me com a indicação do Conselho Federal de Psicologia da suspensão das práticas presenciais, salvo caráter emergencial.
Pego-me pensando o que seria emergencial em um cenário que por si sinaliza emergência.
Acolho a indicação e proponho aos pacientes a migração para a modalidade online.
E eu, defensora dos atendimentos online, que acredito que a psicologia precisa assumir ética e tecnicamente esse lugar de prática, deparo-me com questões anteriormente não refletidas.
Uma queixa que já é recorrente no consultório, passa a ser um dos impeditivos dessa prática: a falta de privacidade dos pacientes.
Lembrei da história singular de cada um/a. Muitos já traziam para o espaço de cuidado terapêutico, o quanto seus familiares não respeitavam seus espaços em casa. O quarto, a hora de descanso, a hora de estudo e de trabalho.
Eu, terapeuta, que os ouvia e os acompanhava pacientemente na construção de possibilidades frente à invasão de privacidade, estava pedindo, indiretamente, que isso já “estivesse resolvido”.
Vi diversos anúncios de psicólogos/as que estavam/estão se dispondo para o atendimento online, solicitando que os/as pacientes procurassem um local silencioso e que não fossem interrompidos. Será mesmo que esse é um privilégio de todas as pessoas?
Numa realidade brasileira em que algumas pessoas dividem quarto com irmãos/irmãs, em que pessoas estão em relacionamento abusivos e que mal podem utilizar o telefone em casa, em que as moradias nem sempre tem vãos tão definidos, de casas e apartamentos pequenos e sem tratamento acústico nas paredes, como pedir que o/a paciente encontro um lugar em que ele não seja interrompido?
Estamos fazendo psicologia para quem? Para pessoas que tem casas grandes, com cômodos diversos, tratamento acústico na parede e respeito de todas as pessoas que moram com ele/ela?
Estamos fazendo psicologia apenas para pessoas que tem sinal de internet de qualidade? Dados ilimitados? Se é assim, sou o avesso dessa psicologia, meus pacientes não são só esses!
E assim vou criando, mais uma vez, possibilidades de acompanhar os/as pacientes no cuidado consigo. Não peço que ele esteja em um lugar silencioso e nem que não sejamos interrompidos. Flexibilizo os horários pois sei que talvez naquela hora o sinal esteja intermitente.
É uma clínica ampliada, cheia de possibilidades, limites e por vezes interrupções.
A vida concreta, vivida numa teia de relações é cheia de resistências. Claramente as teorias não lidam com essa concretude do vivido (Hannah Arendt).
Assim sigo, sendo psicóloga em tempos de crise mundial.